Aqui na Europa eu desfruto de uma mobilidade gigante e sem precedentes, por conta de 3 coisas: meu passaporte italiano, meus vários amigos que se formaram e vieram morar aqui (e que me acomodam em suas respectivas casas de braços abertos, muito obrigada, amo vocês) e as passagens barataspracaralho da RyanAir/ National Express/ Megabus & train/ Eurolines. É claro que isso é maravilhoso e que tenho muitas coisas boas e otimistas pra contar. Mas hoje eu gostaria de escrever sobre as coisas erradas que eu vejo enquanto desfruto dessa mobilidade.
Além da minha pátria amada que agora é a Inglaterra, eu já fui para a Itália, Alemanha, Suíça, Espanha, França e Bélgica, e estou com uma viagem marcada para a Ucrânia. Tirando o último país, todos os outros são impecáveis em suas estruturas físicas. Políticas talvez nem tanto, porque a Itália está no meio da lista e porque a Bélgica, a Espanha e a Inglaterra são, ainda que não na prática, monarquias. Sobre o social, muito ainda tem que ser discutido e arrumado em questões de imigração e consequente exclusão desses imigrantes (que contribuem absurdamente para a economia européia, mas que são vistos meramente como intrusos). Mas com relação aos europeus, todos têm padrões de vida altíssimos, o que não precisa ser dito. E acho que podemos considerar que para a população da Europa Ocidental, imigrantes inclusos, não há o que para nós “terceiro mundistas” se classifica como pobreza.
Isso me faz pensar sobre injustiças históricas que eu descobri que muitos dos europeus não reconhecem, em específico a da colonização nas Américas. Ninguém aqui tem nem idéia de que, um dia, espanhóis, portugueses e ingleses (entre outras nacionalidades) vieram para a América para explorar riquezas e levá-las para suas respectivas terras. Ninguém sabe que essa ótima estrutura européia foi possibilitada também por isso. Ninguém tem nem idéia de por que, nas Américas todas, só falamos línguas européias. Ninguém entende quando eu falo que uma parte muito grande da população brasileira são descendentes indiretos de europeus.
Pois bem, eu sempre explico para aqueles que não sabem: “a história toda das Américas é muito parecida: um dia, europeus vieram para lá e mataram a população nativa, e levaram riquezas. O motivo pelo qual os Estados Unidos hoje são o que são é porque foram colonizados principalmente por uma nação industrial e emancipada intelectualmente”. (E um comentariozinho: o Canclini, no livro “Culturas Híbridas”, chama a Espanha e Portugal do século XVI de “the most backward european nations”. Me caguei de rir quando li aquilo).
Isso eu acho muito foda. Todo mundo reconhece as injustiças da segunda onda de colonização, na África e em parte da Ásia, mas da primeira ninguém sabe (eu imagino que o motivo seja a época em que elas aconteceram). A riqueza da Europa é constituída em certa parte (não sei avaliar quanto) pela exploração intensa dos recursos e da população indígena da América. E ninguém fala disso. Isso me dá nos nervos. Se algum dia eu possuir alguma importância midiática como musicista, vou compor a “balada da exploração no século XVI”.
Outra coisa: viajar por aqui evidencia de um jeito escancarado como as riquezas são distribuídas de forma desigual atualmente. Sei que parece besteira bater nessa tecla, mas eu sinto isso muito forte vendo as coisas de perto, e comparando com o que eu sei da situação social e política do Brasil. Chega a doer no ser. Tanta gente vivendo bem aqui e muito mais da metade da nossa população se fodendo e sendo xingada de burra pela classe média por não ter tido acesso a um ensino decente. (Claro que isso acontece também por causa da corrupção e outros fatores no Brasil, né).
Antes de terminar o texto, eu quero deixar bem claro que não culpo a população européia por essas injustiças das quais estou falando. Eles não são de forma alguma responsáveis por coisas bizarras que aconteceram no passado. Aliás, eu conheci pessoas muito interessantes até agora, com quem tenho discussões relevantes e enriquecedoras sobre política e história.
Agora sim terminando, preciso confessar que não sei o que fazer diante desses sentimentos de injustiça. Che Guevara fez uma revolução, mas eu sou só a Cioffi, uma estudante qualquer de mestrado que viaja pela Europa depois que se forma (isso sem contar que eu não acredito em socialismo, depois de tudo que aconteceu no século passado). Acho que a única coisa que me resta mesmo é escrever a minha “Balada da Exploração no Século XVI” - no estilo mais Raul Seixas possível - e continuar meus estudos conservando esse sentimento. Quem sabe algo bom não saia daí.