quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Bares, botecos, botequins...

Eu sou botequeiro. Substantivo que, aliás, escrevo com a maior diligência, já que uma simples troca de sílabas seria de uma obscenidade fatal. Mas, sim, eu gosto de um bom boteco. Bom também é modo de dizer, já que pertenço àquela estirpe que acha de boteco bom é boteco ruim. Nada de muita de frescurada, nada de drinques de cores berrantes, de garçons asseados ou de comidas cujos nomes eu não consigo pronunciar. Como muito bem definiu o Antônio Prata em certo texto, a gente é meio intelectual, meio de esquerda, por isso a gente gosta mesmo é boteco ruim. Acrescentaria que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, vamos lá buscar um pouco de glamour pra esta vida; lá, na boca do lixo, às portas do inferno, lá onde o vento faz a curva. Cerveja gelada, um destilado vagabundo pra fazer o contrapeso, futebol na tevê de vinte polegadas e, sim!, já somos felizes; não é difícil fazer a gente feliz.

Além do mais, defendo a tese de que é no botequim da esquina que a democracia se realiza em sua plenitude. Em botecos, discute-se de tudo, da temperatura da cerveja ao aquecimento global, passando por política, futebol, crise financeira, cinema, literatura e, ô, Zé, esse aperitivo sai ou não sai? É um exemplo de democracia, reitero, já que todos na mesa têm o inalienável direito de desferir seus comentários precisos. A precisão, aliás, é uma característica das conversas de boteco, quase sempre tão precisas quanto um bêbado com mal de Parkinson. De minha parte, largo em vantagem, porque sou estudante de jornalismo e por dever profissional necessito de estar sempre pronto a dar uma opinião desabalizada sobre qualquer assunto que me solicitem. É difícil me pegar de calças curtas.

Botequins, como se vê, são tablados para a disseminação do conhecimento humano. Tenho absoluta certeza que já tive muitas idéias geniais em mesas de bar, embora a possibilidade de lembrá-las no dia seguinte seja inversamente proporcional às doses de conhaque que vamos virando noite adentro.

Tenho meus botecos preferidos – três ou quatro – estrategicamente espalhados pelo centro da cidade e arredores, de modo a jamais – não importa onde eu esteja – ser pego desprevenido. Prevenir, já nos alertam desde muito, é melhor que remediar. Sem falar que ficar escolhendo botecos com amigos em caráter de urgência é quase sempre uma atividade desgastante; chegar a um acordo, nesses casos, é uma tarefa para gabaritados diplomatas. Melhor mesmo é sempre ter uma sugestão na ponta da língua, uma carta na manga. Se o Brasil é auto-suficiente em petróleo, eu sou auto-suficiente em botequins. O que importa é ter cerveja gelada – e barata, que esta crise financeira que paira sobre nossas cabeças, ao que tudo indica, não está pra brincadeira.

Lembro, lá na minha terra, do boteco do seu Luís Polaco, uma das maiores pocilgas que conheci na vida. Mas ficava perto da escola, o que nos dava uma boa desculpa para sumir de aulas de matemática, química e demais. Aulas de matemática, mesmo, de pouco nos serviam, porque cansamos de tentar ensinar matemática ao seu Luís, quando ele nos apresentava a conta do dia – sempre, digamos, supervalorizada. Então, se não se pode aplicar matemática nos botequins, de que diabos ela serve? De qualquer forma, adotamos aquele boteco. Era uma relação sentimental e não deixaríamos que algumas queixas materialistas afetassem isso. Lá, bebíamos cerveja, enquanto alguns velhos tomavam cachaça e jogavam baralho. E, bem, quase sempre saíamos de lá noite avançada, muito depois do horário do fim das aulas, arrumando desculpas para dar em casa. Uma errática confraria de bêbados que, na saída, espalhavam-se como contas de uma pulseira que arrebenta pelas ruas de calçamento.

Hoje, esforço-me por dar continuidade à tradição. Mantenho-me assíduo freqüentador de bares, botecos e botequins. Aliás, o que pretendem fazer hoje, pessoal?

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