terça-feira, 4 de novembro de 2008

Um viva à média aritmética

Estar contente nada tem do encanto de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de uma batalha contra a tentação, nem de uma derrota fatal pela paixão ou pela dúvida. A felicidade nunca é grandiosa [...] A felicidade é uma soberana exigente – especialmente a felicidade dos outros”.

Aldous Houxley, Admirável Mundo Novo


O problema com todos está em uma coisa: tentar ser criança por toda a vida quando só se é criança quando se é criança. Quando se é criança realmente, as coisas são novas, coloridas, brilhantes, pululantes, narcotizantes. Tudo está ao alcance das mãos. Ninguém é sozinho, o mundo é completo. Não há problemas, e se há algum problema, desanda-se a chorar. Não há controle dos sentimentos, não há aceitação daquilo que reprime. Se algo é reprimido, pronto, lá vem mais choro. Claro, os responsáveis por reprimir certos atos são os pais. Mas eu não quero entrar nessa questão. Deixemos ela para todos os psicólogos e afins do universo (principalmente porque essa questão me interessa tanto quanto saber quem foi que inventou os óculos de plástico que são também um canudo para tomar refrigerante).

No momento em que as pessoas crescem, elas aprendem a reprimir um bando de coisas. Aprendem que não podem ter tudo, eu diria até que elas chegam a crescer um pouco. Mas algo que ninguém abandona é a vontade de ser feliz sempre e de nunca estar sozinho, o que é parte, creio eu, da vida infantil. Todos querem ser felizes como uma criança. Todos querem ter o peito limpo como um recém nascido (me desculpem pelo 'todos'. Obviamente sei que não são todos, mas se eu colocasse a expressão 'muita gente' eu talvez não conseguiria o impacto dramático desejado).

Ouço milhares de hipócritas dizerem “ felicidade não faz romance”. Mas todos eles querem estar alegres, com um belo pirulito daqueles gigantes na mão e um bonézinho azul, brincando no parquinho. Talvez nenhum deles saiba lidar com e aceitar uma real situação de aperto, desespero, agonia, dúvida. Não que uma pessoazinha como eu consiga efetivamente lidar com isso (e aqui é importante lembrar que não cabe nesse (con)texto explicar em que nível de hipocrisia eu me encaixo. Na verdade, eu só quero reclamar. Me deixem reclamar).

As pessoas definitivamente não sabem estar sozinhas. Elas têm medo da solidão, da tristeza. Mas eu fiz uma descoberta esses dias (minha primeira!): a gente não cresce pra ser feliz. Se fosse assim, o mundo ia ser 'algo pontacabeça'. As pessoas nasceriam velhas e terminariam como crianças, começariam murchas como o Robert Plant está agora e terminariam felizes como um recém nascido que encontra à sua frente um mundo totalmente novo (eu não lembro da experiência. Mas Carlos Castaneda jura que já conseguiu tal façanha).

Caramba, é tão simples. A gente cresce pra deixar de ser ingênuo, pra aceitar coisas que seriam insuportáveis para uma criança. A gente cresce pra aprender a ser sozinho e descobrir as coisas sem depender de ninguém berrando ordens ao seu ouvido. E quando a gente descobre as coisas sem ninguém, descobre também que não é possível a felicidade perene. A gente descobre que está sozinho e ao mesmo tempo que há tristeza na solidão, e que a solidão é parte da vida. Quando a gente está só, descobre que a agonia é parte da vida, que o aperto no peito e a sensação de se estar perdido é parte da vida. E a felicidade é só uma parte da vida também, veja só. Alegria é um momentozinho. E a gente fica acreditando que tem que estar alegre o tempo todo porque já foi criança. A gente vive pra tentar fazer daquilo que devia ser um momentozinho algo perene.

Crescer é algo interessante. Não se sentir mais uma criança é mais interessante ainda. Dizer “me deixe ficar triste, eu não preciso sorrir hoje” é a coisa mais legal que eu poderia pensar ouvir de alguém. Quando você está triste, é porque há algo na tristeza. Você vai simplesmente ignorar esse algo e forçar um momento de felicidade? Você vai chorar como um bebê? Ou vai chorar como um adulto deveria? Ou ainda, você vai se forçar a permanecer rodeado de pessoas quando na verdade deveria estar sozinho?

E ainda tem outra coisa, outra coisa que eu acho muito estranha: tem pessoas que aceitam a tristeza mas que pensam nela como uma forma de auto-destruição. O sujeitinho diz pra si mesmo, “vou aceitar a tristeza”. Na outra manhã você encontra o pobre coitado jogado em qualquer sarjeta, estuprado, sem fígado, com roupas sujas (se ainda tiver sobrado alguma roupa), sem comer, sem dentes porque parou de escová-los por seis meses (como ele fez isso, sendo que decidiu ser triste ontem, eu não sei) e ainda por cima orgulhoso de si mesmo.

Caramba, eu acho o conceito bastante simples. Você aprende a ser triste, mas não aprende a ser só triste. Não aprende a ser um triste kamikaze. Não faz da tristeza um orgulho. Eu simplesmente odeio quando as pessoas decidem levar tudo ao extremo. “Vou só ser triste. Ai, ai... Como eu gosto da dor!”. Aí a gente já esbarra em um paródoxo, porque dor é dor, não é pra você ficar feliz com a dor. Acredito que você só tem que perceber que nem tudo são só flores e nem tudo são só espinhos (lugares comuns, o que seria de nós sem eles?). E tentar entender o que aquele momento ou triste ou feliz tem a te dizer.

Quem leu o Admirável Mundo Novo sabe o motivo de eu estar escrevendo tudo isso. E eu só estou enchendo o saco das pessoas com esse texto presunçoso porque eu li e fiquei pensando muito nessas coisas. E eu gostei dos pensamentos que tive. Aí estão eles para todos os 10 leitores assíduos de nosso blog.

2 comentários:

amanda audi disse...

Porra, Cioffi! Lendo esse texto eu
1. me arrepiei
2. meus olhos marejaram
3. dei um risinho tipo 'haháá'
4. pensei 'putaqueopariu'

É isso aí, seu primeiro post que não é sobre música e é super bacana!

Anônimo disse...

Pensando junto contigo comecei a imaginar uma validade para existir a alegria e a tristeza. E uma coisa não existe sem a outra, uma valida a outra, autentica a outra. Sem conhecimento dos contrapontos não há aprendizado. Conversei bastante com minha mãe sobre teu texto, adoramos.