segunda-feira, 17 de maio de 2010

Encaixotando Salinger

Quanto mais leio os livros do Salinger, mais ele vai tomando o posto de meu escritor preferido. Quer dizer, até certo ponto. Difícil competir com autores com vários livros bons publicados, já que o Salinger era um recluso incurável e produziu pouquíssimas obras em vida. Não que ele não tenha escrito bastante, mas é que o próprio declarou uma vez que escreve pelo prazer de escrever, e não pelo sucesso comercial. Então ele deve ter um montão de coisas escondidas em casa. Tomara que alguém algum dia seja covarde o suficiente pra juntar tudo o que estiver escondido pelas gavetas ou debaixo dos colchões e publique, mesmo sendo um puta ato antiético.

Tive contato com ele há pouquíssimo tempo. Emprestei "O Apanhador no Campo de Centeio" há pouco mais de um mês e li em uma sentada. Sempre tive uma espécie de desprezo por esse livro, porque o boato que corre por aí é que é um livro para adolescentes rebeldes. Pura besteira. E besteira também também o que as más línguas dizem, que é um livro para serial killers. Tudo bem que o assassino do John Lennon, Mark Chapman, disse que se inspirou na história para cometar tal filhadaputice. Mesmo assim, what the fuck. Ele poderia ter dito que tinha acabado de ler Crepúsculo ou a Bíblia, dá no mesmo. Também dizem que o Apanhador "criou" a adolescência. Meu cu. Ele fala direto aos adolescentes, sim, tem tudo a ver. Mas dizer que a adolescência como tal - e não como uma simples transição da infância para a vida adulta - só começou a existir depois do livro, bem, já é um pouco demais, né?

Enfim. Li esse livro e fiquei realmente encantada pela maneira seca e ao mesmo tempo doce do Salinger. Passei pra um livro daqueles de bolso, que reúne "Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira" e "Seymour, uma apresentação", dois contos (?) que tratam sobre o mesmo tema: Seymour, o irmão mais velho da família Glass, que aparece na maioria das histórias do Salinger.

O narrador é Buddy Glass, irmão mais novo de Seymour, que escreve os dois contos (mais uma vez tenho que colocar aqui o interrogação. Não julgo que essas histórias sejam necessariamente contos, mas me faltam palavras para descrever melhor) depois que o personagem principal se suicida, em 1948. Dizem que Buddy é o alter ego de Salinger. O primeiro texto é sobre o casamento de Seymour, em 1942, em que o noivo simplesmente não apareceu. O segundo, uma dissertação bem longa sobre o sujeito e a sua "vidência" - cabe explicar: Seymour, em inglês, pronuncia-se "see more", isto é, "ver mais".

É impossível não se encantar com a maneira com que Buddy escreve. Ele é, na verdade, um grande filho da puta. Mora em uma casinha no meio do mato, quase não fala com ninguém, tem um grande desprezo por quase todo mundo, menos os integrantes de sua numerosa família (são, ao todo, sete irmãos). Super me identifico com essa maneira dele de ver o mundo: tudo é um saco, um porre, ninguém entende nada. O que importa, verdadeiramente, são as nossas paixões, o que realmente mexe com a gente de um jeito quase não-intencional. Mesmo assim, ele nutre um amor imenso por todo mundo. Se sente só e incompreendido, mas ama até as pessoas mais babacas. Tal qual Holden, personagem principal do "Apanhador". Isso é o que eu interpreto, então não venham me taxar de não ter entendido patavinas das obras. Cadum, cadum.

Sinto que escreveria livros idênticos sobre meus irmãos ou sobre mim mesma. Pra ser bem sincera, eu não sei porque Salinger é tão bom. Ele não é inovador na sua escrita e nem nada do tipo. Ao contrário disso, ele é totalmente simples, sem vaidades. Não sou nenhuma crítica literária, mas penso que é talvez pelo fato de ele escrever pra si, de amar escrever. Tanto que, no começo do "Carpinteiros...", ele diz que se alguém ainda nesse mundo leia somente por prazer (ou acidente), então que divida a dedicatória do livro em quatro partes iguais, junto com a sua mulher e seus dois filhos.

Eu sou bem louca e vou grifando nos livros todas as partes que eu gosto. Mas tem uma que é especial:

"Se e quando eu começar a ter consultas com um analista, espero ardentemente que ele tenha o bom senso de convidar um dermatologista para participar das sessões. Um especialista em mãos. Tenho cicatrizes nas mãos por haver tocado em certas pessoas. Uma vez, no parque, quando a Franny ainda era levada para lá no carrinho de bebê, passei a mão, por tempo demais, na penugem que cobria a cabeça dela. A outra vez aconteceu no cinema da rua 77, quando eu assistia com Zooey a um filme de horror. Ele tinha uns seis ou sete anos, e se enfiou embaixo da poltrona para não ver uma cena assustadora. Pus a mão na cabeça dele. Certas cabeças, certas cores e texturas de cabelo humano deixam marcas permanentes em mim. Outras coisas também. A Charlotte um dia se afastou correndo ao sairmos do estúdio, e eu agarrei seu vestido para fazê-la parar, para mantê-la perto de mim. Um vestido de algodão amarelo que eu adorava por ser comprido demais pra ela. Ainda tenho uma mancha amarelo-limão na palma da mão direita. Ah, meu Deus, se há algum termo clínico que me sirva, sou uma espécie de paranóico ao contrário. Suspeito que as pessoas estejam sempre conspirando para me fazer feliz".
Esse trecho é do diário do Seymour, que nem aparece fisicamente no texto do "Carpinteiros (...)". Me encanta que ele tenha faltado ao próprio casamento por sentir-se feliz demais para casar.

E, é claro, tenho profundo agrado pelo trecho do "Apanhador (...)" em que Holden explica à irmã menor o que ele realmente gostaria de fazer na vida, mais que qualquer outra coisa:
"Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice”.
Não acho que é maluquice, não.

3 comentários:

Flávia S. disse...

Te desvirginei de Salinger, já posso morrer feliz. :)

iasa monique disse...

só li o apanhador, e faz muito tempo. vai ver você me inspirou a dar mais uma chance pra ele :)

Giulia Piovezan disse...

J.D Salinger é muito lindo, né! o cara influênciou e continua influênciando muita gente por aí, se é pro lado bom ou ruim, isso já não importa. o que importa é que o lasarento conquistou meu coração hehe.