Meu computador é uma máquina jurássica e dada a insurreições rotineiras. Jurássica, sim. Costumo dizer que ele não tem memória; no máximo uma vaga lembrança. Insurgente, detesta ser contrariado. Na certa está a reivindicar melhores condições de trabalho, bombardeando-me com mensagens em que ameaça atear fogo a si mesmo e incinerar meus escritos, e em que só me dá uma opção: “Ok”. Ok, digo eu. Concordo, já que sou obrigado a concordar, mas faço isso com o mesmo ânimo com que concordaria com um bombardeio de napalm a uma aldeia miserável da Ásia Central.
O fato, sou forçado a admitir, é que sou o perfeito exemplar de uma besta tecnológica. Não me dou com tecnologia, ela não se dá comigo. Nos suportamos, já que não há nada mais a ser feito. Não vivo aos afagos e juras de lealdade eterna com meu computador, mas também é certo que jamais lhe espanquei, na vã pretensão de que sob coação física ele decidisse que era melhor fazer o que eu queria que ele fizesse, sabe-se lá do que um maluco como esse é capaz, ele pode muito decidir atirar-me pela janela, chucro que é. Mas nunca cheguei a esse ponto; procurei sempre manter o diálogo, por mais que a conversação não raro vire monólogo, com ele a xingar-me freneticamente, o monitor salpicando-se de mensagenzinhas que atestam minha capital inépcia para computadores.
Situação insustentável. E como tudo nesta vida tem limites, minha paciência aí inclusa, decidi há alguns dias me livrar de meu computador. Afinal, ninguém carece de ter um inimigo declarado dentro de casa. Uma noite, decidi, com um olhar triunfante e superior, substituí-lo. Mas como fazer isso, sendo eu uma besta tecnológica? Fiz o que qualquer besta tecnológica razoavelmente sensata – sim, ainda me resta certa sensatez – faria em caso semelhante: procurei um amigo que entende do riscado e decorei uma configuração que ele – e não eu, que eu não ia dar palpites em assuntos dessa complexidade – considerou satisfatória para meus padrões de uso. Munido disso, empreendi uma viagem pelo mundo nerd das lojas de informática; mas não sem antes, é claro, ensaiar em frente ao espelho um semblante de entendido e decorar umas perguntas técnicas para soltar a esmo, só para parecer que eu tinha alguma idéia do que estava falando.
Desconfiado e arredio, optei por um computador portátil, para ter maior mobilidade dentro de casa e poder, quem sabe, escrever da cama, apenas de cueca. Ainda não pude fazer isso, infelizmente, porque nos últimos dois dias tenho empreendido uma verdadeira luta corporal com o manual de instruções. Perdi desgraçadamente, é claro, como também perdi a batalha com a cafeteira que ganhei de aniversário – ela recusa-se a dar-me café quente. É bem possível, eu sei, que ela seja uma cafeteira zelosa, que esteja preocupada com o meu tubo digestivo, e por isso me sirva aquele café morno, quase em temperatura ambiente – mas também acho perfeitamente possível que eu me reserve o direito de recusar-me a tomar aquela coisa insossa e sem-graça. Condenei assim a cafeteira ao ostracismo da cozinha, a uma aposentadoria compulsória, e voltei ao bule. Como voltei hoje ao velho computador, onde bato agora este trôpego texto. O monitor parece me sorrir um sorriso iluminado e satisfeito, um sorriso de vingança; ri de mim. Sim, eu sei que monitores não sorriem, oras, que maluquice essa a minha, mas posso garantir, em algum lugar desta tela está um sorriso; algo ri de mim.
Seria a rebelião das máquinas? Estariam elas acossando a mim, um raro e tolo exemplar analógico de minha geração? Poderiam elas me extinguir? Não sei, não sei, assim como não sei de quase nada neste mundo. Sei apenas que por hoje basta; estou farto de computadores.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
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Um comentário:
sandova, vc pode pedir ajuda para o paulo negri, haha
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