A primeira coisa que você aprende quando chega em Curitiba é que guarda-chuva tem aqui função diferente da do resto do mundo. Lá longe, muito longe, no resto do mundo, eles servem para proteger corpos passíveis de pneumonia contra precipitações pluviais; aqui, são mais como amuletos, cuja utilidade é basicamente espantar a chuva – xô!, xô! Repare: se você não levar o guarda-chuva, choverá – e choverá desgraçadamente, uma tormenta decidida a inundar o mundo, o céu a rasgar-se numa hemorragia incontrolável –; se levá-lo, fará um sol de rachar cabeça de calango, só para obrigá-lo a constranger-se o dia todo, carregando a tralha de um lado a outro, enquanto o sol espraia-se, satisfeito, no firmamento.
Às vezes penso mesmo que os céus curitibanos têm algo contra mim. Basta que coloque o nariz fora da porta para que nuvens até então escondidas, à espreita, passem a surgir nas alturas, o céu tinga-se de matizes de cinza que evoluem para um negrume assustador e, zás!, água que deus manda. Já temi ser abocanhado por um tubarão no cruzamento da Tibagi com a Visconde, onde notoriamente andamos a precisar de um sistema de drenagem – ou de um porto –; certa vez cheguei mesmo a ver uma barbatana a insinuar-se no lado de lá da calçada. Em outra ocasião, pensei ter flagrado um cardume de tilápias à esperar que o sinal abrisse; pena não estar devidamente equipado para uma pescaria.
Até não seria tão ruim não fosse o motorista curitibano. Em verdade, vos digo: jamais existirá no mundo algo mais cretino do que o motorista curitibano. Não bastasse a dificuldade congênita que eles têm com a seta – já cheguei a explicar a um sujeito, em meio a rua e meio aos berros, que aquela varetinha ao lado do volante tinha uma finalidade específica, e não era a de coçar as costas -, ainda sentem um prazer sádico em, na primeira oportunidade, molhar-lhe até os ossos. Gostam mesmo de cruzar totalmente amalucados pelas poças d'água – verdadeiros riachos – deixadas pela chuva e lançar nas calçadas gigantescas ondas de mar em tempestade – enquanto o pobre do pedestre fica lá, bestando, meio que avaliando se o melhor seria mergulhar ou surfar aquela massa d'água.
Mas tem mais – sempre tem mais, este mundo nunca se cansa de nos chatear. Com essa chuvarada, esse aguaceiro que nos mandam, tudo fica mais difícil. Nem ao menos nos é permitido fumar um cigarrinho em paz, enquanto se anda pela rua. Não fosse já suficiente a proibição do fumo em lugares fechados, agora São Pedro também aderiu à campanha anti-tabaco. Estamos encurralados. Fumar na chuva, todo fumante que se preze sabe, é tarefa das mais ingratas, inclusive porque o gosto de fumo molhado é algo insalubre que agarra-se à língua e de lá não sai, de lá ninguém o tira. Talvez possa ser isso um coalizão da caretice convicta com as forças da natureza? Não creio.
Quando era pequeno, minha vó garantia-me que a chuva era o pranto de Deus. Digo agora que Deus anda muito emotivo pro meu gosto. Filho ingrato que sou, vou tirar satisfações. Que tens tu, meu Pai? É a crise financeira? São as crianças famélicas na África? É essa democracia sem povo em que vivemos? É o fato de um partido xenófobo estar no poder na Itália? É a Seleção (sim, se o Senhor for mesmo brasileiro é bem plausível ser a Seleção)? É Bush? É Ratzinger? Bem sabes tu que tenho um rim esquerdo canalha e que este tempo instável em nada me ajuda. É, quem sabe – por que não? –, o Gerald Thomas?
Deus, como sempre, faz-me ouvidos de mercador. Resta-me levar o guarda-chuva, resignado. Ou mudar-me para o sertão de Pernambuco. Sei lá.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
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