Hoje, 15h, uma multidão de milhares de olhos de pessoas olhando pra mim. Muitas, muitas pessoas com olhos e ouvidos também, acho que o equivalente à população da China, olhando para o palco enquanto a banda tocava atrás de mim e eu cantava algo como “olho, e não vejo nada” (e eu não via nada mesmo, mas também não estava olhando. Nos momentos em que levantei a cabeça, olhei acho que para a estante da partitura ou para o bumbo da bateria, ou ainda para a alça da guitarra o tempo todo). Para especificar a quantidade de pessoas prestando atenção em mim, imagine esta cena: Algo como o Frank Sinatra (ainda em vida) tocando de graça em um lugar enorme, um lugar com a área total da Amazônia, reservado só para shows. Nesse lugar o som chega a todos os cantos possíveis, toda a população da China ali presente está escutando e todos que querem ir até lá têm acesso liberado.
Foi assim a minha apresentação de hoje à tarde. Tá bom, na verdade, a cena era um pouco diferente (confesso que eu aumentei tudo um tantinho só): Cantina da FAP, intervalo, 20 pessoas; metade delas, amigos que sempre me ouvem cantar, e a outra metade, pessoas que estavam ocupadas jogando truco ou beijando outra pessoa do mesmo sexo (meu filho, é da FAP que estou falando). Aliás, as pessoas que me acham estranha e/ou hipponga deveriam visitar a FAP. Eu sou um poço de sanidade e de normalidade perto das pessoas daqui.
Mas eu não menti no primeiro parágrafo. Eu me sentia exatamente daquele jeito, como se tivessem 25.000.000 pessoas olhando pra mim (bem mais que a população da China, acredito eu). É por isso que eu odeio subir no palco.
O meu espelho e os armários do meu quarto sabem o quanto legal, descolada e cool eu sou. Eles sinceramente acham que minha presença de palco é melhor que a do André Abujamra. Mas só eles mesmos podem tirar essas conclusões. Quando eu subo no palco que não é o palco imaginário, o maldito me faz parecer pior do que a Amy Winehouse trêbada, mas mamada mesmo, tentando afinar as notas das músicas que sempre canta e pedindo para o guitarrista da banda parar de tocar para apertar seu cinto (que não pára de cair, o inconveniente).
Eu treinei todas as notas das músicas que iria cantar hoje, todas as notas mesmo, uma por uma, em slow motion e em tempo real. Coloquei as roupas flower power mais legais da minha mãe, que ela usava há uns 20 anos, e pensei: é hoje que eu me solto no palco. É hoje. É hoje meu pé.
Cara, eu nunca me senti tão mal na vida. No meio da primeira música eu quis dar um berro e mandar a banda parar, para poder sair rolando do palco (o que, pensei, seria um espetáculo melhor do que me ver cantar com uma voz trêmula e sem gestos nenhum, a não ser uma balançada para o lado de vez em quando).
Mas essa não é a primeira vez que eu me sinto assim. Sempre quando vou cantar, digo pra mim mesma, “decididamente, essa foi minha pior apresentação até hoje, sem sombra de dúvidas. Cara, nunca me senti tão mal na vida”.
Tudo bem se eu vou só tocar. Quando eu toco, sinto que só 1.000.000 pessoas estão olhando pra mim e me julgando, dizendo “olha, ela errou aquela nota que deveria ser um mi bemol, e não um fá sustenido”. Mas quando eu canto, além de sentir que a população de cinco Chinas inteiras está me olhando e me julgando, eu me sinto uma Vera Fischer cantando (lembrando que a Vera Fischer, de tanto botox que colocou, não tem mais que uma expressão facial só). Que merda.
Eu não tenho conclusões para esse texto. Eu sempre prometo pra mim mesma que a próxima apresentação vai ser diferente, mas nunca é. Sempre pratico para os meus armários, e eles adoram, mas na hora de cantar para pessoas que não são armários, nunca dá certo. Algumas sempre chegam pra mim depois me parabenizando, mas eu nunca sei se é porque elas gostaram mesmo ou se é porque elas vêm dizer coisas bonitas pra me consolar.
Qualquer dia eu marco um show nesse local hipotético em que o Frank Sinatra tocou. De repente, se eu imaginar que todos são armários e espelhos do meu quarto, eu consiga uma presença de palco melhor que a do João Gilberto.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
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2 comentários:
Queria te ver tocando, Cioffi. Minha cara em shows se parece bastante com um armário, então talvez ajude.
Lembro de passagem de ti. Foi tudo que não deveria ter sido, pois apenas não foi. Não houve espaço para a linguagem ou seus jogos, para olhares e seus desvios, para timidez e seu charme. Não houve tempo nenhum para nós e, assim, lamento, pela saudade que tenho do que poderia ter sido.
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