terça-feira, 25 de novembro de 2008

Os jogos de linguagem: uma percepção totalmente inadequada

Hoje eu não quero falar sobre um músico. Eu quero, na verdade, falar sobre o irmão de um músico. Ele próprio não era músico, mas até tocava clarinete e tinha o maldito ouvido absoluto (que me incomoda muito, demais, já que poder experimentar a sensação de ter o tal do ouvido absoluto é quase como poder assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. Falando em assoviar, o indivíduo sobre o qual eu quero falar hoje decorava e assoviava partituras orquestrais inteiras, o que é um tanto bizarro quando você imagina uma criatura ao seu lado assoviando por mais de uma hora sem parar algo como a Nona Sinfonia, exatamente do jeito que é).

Seu irmão se chamava Paule (ou Paul, não sei ao certo, mas acho que Paule combina mais com a nacionalidade do rapaz), que foi um pianista bem famoso. Ele perdeu o braço direito na guerra, mas pra compensar ganhou peças de Ravel e Skriabin escritas especialmente para ele, para serem tocadas com a mão esquerda. Maravilha, assim vale a pena perder um braço.

Tá, mas não é do Paule que eu quero falar. O nome do indivíduo ao qual me refiro é Ludwig Wittgenstein. Eu não poderia deixar de escrever sobre ele depois de fazer um semestre inteiro de optativa só sobre ele; ele ficou na minha cabeça. Principalmente porque essa optativa foi muito legal. Mas enfim, eu não vou conseguir escrever propriamente sobre tudo que eu quero escrever, porque o Sr. Wittgenstein é muito cativante, vocês deveriam conhecê-lo. Enfim, de qualquer jeito eu quero comentar um pouco sobre as besteiras que eu pensei enquanto lia os textos dele e assistia às aulas, mas que não pude colocar nos ensaios porque talvez fosse um pouco longe demais das expectativas do professor (e talvez uma grande perversão do que o Wittgenstein quis dizer).

Entrando no assunto de verdade. O Wittgenstein pensou sobre uma coisa chamada jogos de linguagem. É mais ou menos assim: tudo que você diz só pode ser entendido no contexto do momento em que você está dizendo essa coisa. E esse contexto diz respeito ao jogo que está sendo usado. Por exemplo, imagine alguém pronunciando a sentença “Ronnie Von”. Ela não faz sentido sozinha. Mas vamos supor que o Ronnie Von seja seu camarada, e você esteja chamando ele pra tomar uma cerveja, ou cantar pra sua mãe que tem uma tara irritante pelo indivíduo. Aí temos um possível jogo de linguagem. Ou então vamos supor que seu filho acabou de nascer. Aí você olha pra ele e, ao considerar que você não gostou, nem nunca vai gostar dele, olha para o ser e decide nomeá-lo do pior jeito possível. Aí você diz pro cara do cartório: Ronnie Von. Outro jogo de linguagem. Ou ainda, vamos supor que você esteja brincando de imitar alguém, e comece a cantar e se mexer estrambolicamente com a maior cara de gigolô possível, e eis que alguém exclama: Ronnie Von! Outro jogo de linguagem.

Acho que deu pra entender. Você pode nomear, descrever, evocar, adivinhar, entre um monte de outras coisas. Uma frase, palavra ou qualquer coisa assim só faz sentido dependendo do jogo que você está jogando. E com isso, eu comecei a pensar nos inúmeros jogos de linguagem que a gente joga todo dia. É muito divertido parar pra pensar.

Um exemplo interessante que o Caetano (o professor da disciplina) mesmo deu: Mentir é um jogo de linguagem como qualquer outro. Certo. Então imagine uma criança aprendendo a mentir. Ela acredita que aprendeu muito bem as regras do jogo, mas pense numa criança mentindo. Ela acaba de quebrar o vaso em casa. E as únicas pessoas presentes no local são ela própria e a mãe dela. Aí a mãe olha furiosa pra criança, e eis que a pessoinha de três anos diz: “Não fui eu”. Mentira horrorosa, sim, mas a criança realmente acha que foi uma boa mentira. E sendo assim, você provavelmente nunca vai alcançar seus pais no jogo da mentira. Eles vêm jogando isso há pelo menos 25 anos a mais que você.

E eu fiquei pensando: E se eu aprender a mentir de um jeito tão bom que pareça mesmo que eu estou jogando outro jogo, como o jogo de relatar algo? E talvez seja essa mesmo a definição do mentir por Wittgenstein, mas veja só como ele meio que explica pra gente como mentir mais efetivamente! É só pensar no jogo que está sendo jogado; aí, como você pretende mentir, é só inventar algo e fazer parecer que você está jogando o jogo em questão. O negócio é entender bem como são as regras em cada situação.

E se a gente estiver mesmo jogando o jogo do sarcasmo, mas não usar a entonação suficiente pra dar a entender que é esse o jogo? Dizer: “Esse seu novo tênis All Star com estampas de oncinha é muito bonito!”, quando na verdade o que você queria era dizer era: “Esse seu novo tênis All Star com estampas de oncinha é muito bonito.”. Aí você estaria mentindo também, internamente. Você estaria rindo sozinho, pra você mesmo e ninguém mais saber. Acho que dá pra sacar bem o esquema do mentir lendo Wittgenstein. Convencer as pessoas que você está jogando um jogo específico, quando na verdade não está.

E a gente pode ainda perceber outra coisa com todo esse esquema dos jogos de linguagem: como é possível tirar certas frases de seu contexto original pra perverter totalmente o que foi dito inicialmente. Assim é muito fácil acabar com o significado de certas coisas, ou acabar até mesmo com certas pessoas. Exemplo. Você está conversando com o Ronaldo (piadas internas). Aí ele diz: “É, eu sou gay”, mas jogando de acordo com as regras do sarcasmo. É lógico que a primeira coisa que você vai fazer é não perder a oportunidade de ignorar esse contexto e começar a rir muito e gritar: “O Ronaldo admitiu que é gay!”.

E veja só quantas frases famosas você pode perverter só por tirá-las de contexto!

Outra coisa que eu aprendi com Wittgenstein foi usar a expressão “com efeito” e a palavra “elucidação” nos trabalhos de faculdade. Esse cara é demais!

Eu ainda teria muito mais a escrever sobre os jogos de linguagem. Eles são muito divertidos, mas eu não quero escrever mais. Pra quem tiver a paciência: “Investigações Filosóficas”, de Ludwig Wittgenstein.

Um comentário:

Anônimo disse...

o maior medo, de todos os medos que tive na minha adolescência, era o de ser mal interpretado porque não sabia falar direito, sempre fui meio "tosco" e todo atrapalhado na hora de falar. E quando eu tinha que fazer isso já me imaginava vermelho antes mesmo de ficar vermelho (será que era auto indução?) Às vezes acho que passei a fazer arte porque não conseguia me explicar diretamente sem desfazer uma parte do que eu acreditava (isso hoje pra mim é tão ridículo hehe). Uma vez que o que eu penso e acredito está sempre
mudando, então a metáfora da arte deixa o sentimento um pouco mais fora do tempo-espaço para cada sujeito interpretar aquilo de algum jeito diferente. É um tipo de jogo de linguagem, o jogo das artes, não acha? Depende do contexto e da história de cada observador sempre. Ma tchê, santo acaso batman! Tu escreveu isso no meu aniversário, as pessoas do dia 25 são incríveis!