Detesto bancos. Tal qual finais de ano, como escrevi na última croniqueta cá publicada, antes de dar uma quinta-feira de folga a mim mesmo. Explico o motivo: Bukowski, Cervantes e Hemingway – para ficar só nesses exemplos - que me perdoem, mas escrever bêbado não é para meu calibre. Fica aqui meu pedido de desculpas. Agora, ao banco, para meu suplicio.
Não gosto de bancos porque eles me lembram abatedouros. Pessoas comuns confinadas como gado, obrigadas a passar horas em filas, desapercebidas para o fato de que em breve enfrentarão caixas treinados para defender as fortunas de banqueiros impiedosos num ambiente de assepsia brutal, uma espécie de deserto habitado por chacais famintos que desidratará muitas vezes suas únicas economias e jogará seus corpos descarnados às bestas. De toda sorte, porém, com ou sem minhas resoluções particulares, resolvi abrir um conta bancária. Vinte um anos, de acordo com minha mãe, é idade mais que suficiente para que eu comece a administrar minhas parcas, minguadas, ralas e raras finanças. Na minha idade, veja só, ela já administrava uma casa, tinha dois filhos! Antes de tudo, é claro, resisti à idéia. Questionei-a a respeito de que talvez a solução para minha pessoa seria, ao invés de abrir uma conta no banco, fazer o filho – pareceu-me uma boa e divertida idéia; não o filho em si, mas o processo de confecção. Não, não era a solução, disse-me ela. Sendo assim, dirigi-me ao banco e abri a conta, depois de me complicar todo com um questionário; declaração de renda, essas coisas todas.
Dois dias depois, fui estreá-la, orgulhoso – meio enfadado, é verdade, mas orgulhoso. Nunca tirei os sisos, nunca criei juízo; uma conta bancária talvez fosse os sinal de que minha maturidade começava a acenar-me de longe; talvez eu estivesse chegando à idade adulta. Entrei no banco, olhando a tudo e a todos de cima para baixo. Lembrei de Balzac: os homens esquecidos pelo mundo vingam-se dele olhando-o de cima para baixo. Com os olhos altivos, procurei meu caixa específico. Por algum motivo que desconheço sou cliente class e tenho um caixa específico. Fiquei na fila, envergonhado, detestando a mim mesmo por fazer parte daquela segmentação. De um lado, um fila enorme de outsiders que como um intestino delgado fazia curvas e curvas. Do outro, eu e meus colegas de class. Dois ou três. Algum sociólogo deveria estudar as filas de bancos. Tenho certeza que sairá alguma coisa interessante daí. Para passar o tempo, reparei na gravata dos caras que circulavam pelo banco, orquestrando aquela hemorragia de dinheiro. Gravatas são símbolos fálicos, sempre defendi isso. E sempre me pergunto que espécie de idiota andaria com um símbolo fálico dependurado no pescoço. Hm.
Minha vez, anuncio para a moça do caixa que me atende:
- Oi, moça. Eu queria fazer um depósito.
- Cheque ou dinheiro?
- Cheque, digo eu.
Ela me olha com um sorriso complacente. Em verdade, vos digo: quando uma mulher lhe olha com um sorriso complacente, saia da frente. Elas rodam a baiana.
- Cheque só no auto-atendimento, disse-me, de maneira muito mais cordial do que eu esperava. Preciso parar com essas neuroses, quem sabe recuperar um pouco da fé na raça humana. Nem todo mundo faz da indelicadeza estilo de vida.
Mas estranhei, admito. Como assim não faz depósito de cheque aqui? Qual é a puta diferença? Não, não faz. Sinto muito. Quem sentia muito era eu, oras. Mas como não entendo nada de bancos, achei melhor não prolongar a discussão. Ela voltava a sorrir complacentemente e o mais correto de minha parte era não abusar da sorte, já que escapara ileso da primeira vez. Volvi e fui ao caixa eletrônico. Agradeci ao fato de não haver fila, pois sabia que ia demorar uns bons dez minutos até entender a lógica da máquina; assim, eu não corria o risco de ser xingado pela demora. Processo feito, dinheiro depositado, atravessei a rua para tomar uma cerveja, satisfeito. Oras, agora já sou um homenzinho, tenho o direito de molhar a goela nesta tarde de calor infernal, esta guerra já perdida contra o sol de dezembro. Acabei tomando umas seis, eufórico, e duas ou três cachaças, de modo que voltei para casa um tanto embriagado. Mas satisfeito. Muito satisfeito.
No dia seguinte minha mãe novamente (sempre ela, sempre novamente) alertou-me para o fato de que seria melhor tirar um extrato, ter uma prova caso alguma coisa ocorresse com meu rico dinheirinho. Minha mãe vive às voltas com essas teorias conspiratórias. Contrariei-me. Disse que ir dois dias seguidos ao banco ia contra meus princípios. Eu podia ter um piripaque, pegar uma infecção naquele ambiente asséptico. Sim, uma infecção, ora pois. A pior das infecções – a infecção do lucro pelo lucro. Ela limitou-se a perguntar quando eu de fato ia crescer. Fiquei desarmado e, batalha perdida, fui novamente ao banco. Caixa eletrônico, apertar os botõezinhos, tira da carteira o papel com o número da conta, errar a digitação, voltar, fazer de novo, e agora onde diabos eu enfiei minha senha? Por fim, surpresa: saldo zero. Zero. Zero! Mas não é possível, será o Benedito?, ontem mesmo moça, lembra de mim? Pois então, ontem mesmo eu vim aqui, não vim. Sim, naturalmente que vim. Não estou ficando louco. Pois então, ontem mesmo eu vim aqui e depositei nesta conta aqui – apontava para o papel com o número da conta – e depositei dinheiro. Quanto? Oras, quanto, como assim? Não seja indiscreta. Quando é problema meu. Sim, meu. O problema seu é que o depósito desapareceu. Sim, eu tenho certeza. Desapareceu sem deixar rastros, como se nunca tivesse estado lá.
De fato, nunca estivera lá. Demorei boa parte da tarde pra perceber que tinha depositado o dinheiro na conta errada. Inferi daí que bom mesmo é não crescer. Bom mesmo é ser criança. Bom mesmo é jamais precisar atravessar o deserto dos banqueiros.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
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