Agora que o Congresso americano aprovou o pacote anti-crise de Bush, creio que o mundo já por ir dormir um pouquinho mais sossegado. Também não sei por que tanto barulho antes. Li, hoje pela manhã, que só agora a crise chega de fato ao mercado ‘real’. Isso deve significar que antes o que estava em crise era o mercado de mentirinha, algo meio Banco Imobiliário – você pode sair do jogo quebrado, mas daí é só sacar de sua carteira ‘real’, ir até a esquina, beber umas cervejas e esquecer o assunto. Não carecia assim de tanto estardalhaço.
Cada vez mais, essa crise parece um conto de Jorge Luís Borges, impossível de entender racionalmente. O sistema imobiliário dos Estados Unidos consegue ser mais confuso do que seu sistema eleitoral – para conseguir alguma luz, é preciso abstrair o máximo da abstração que já é o dinheiro. Daí que fica tudo meio fantástico, com títulos oníricos e nebulosos valendo até 20 vezes mais do que valeriam no tal mercado ‘real’. Uma fábula, um conto de fadas escrito pelos mauricinhos que brincam com a grana.
Não há motivo para pânico, no entanto – pelo menos é o que me dizem. Alguns analistas garantem que a atual crise é um processo natural; o centro sísmico do poder financeiro estaria se deslocando dos Estados Unidos para China e Índia. Algo que, continuam os tais analistas, já aconteceu no século XIX, quando esse mesmo centro saiu da Europa e atravessou o Atlântico, a nado, engolindo um bocado de água, num processo que quase o fez ter um colapso por exaustão. Nada de comparação com 1929, portanto, senhores analistas da Globo News. A coisa aqui é diferente: mais como um inadiável movimento tectônico que faz tudo tremer antes que a santa paz possa novamente reinar sobre a Terra.
Mas há uma conclusão (um tanto óbvia) que se pode tirar de todo esse auê de homens arrancando os próprios cabelos, em desespero, em bolsas de valores espalhadas pelo mundo: o liberalismo não existe. Sem as regulares intervenções do pai-Estado, o filho pródigo, o sistema econômico capitalista, morreria por inanição. O capitalismo é um sistema que se retroalimenta – “dinheiro gera dinheiro”, diz a sabedoria popular, que enfim parece mesmo sábia – e quando parte do dinheiro vaza por uma mal calafetada fenda do fantasma do mercado, o Estado precisa estar lá, firme, com a mesada a postos, ou então é possível que tudo vá para o buraco.
Marx estava errado. Smith estava errado. As teorias econômicas clássicas parecem falidas. Nada, porém, que possa afligir a nós, mortais, pobres diabos que nem ao menos conseguimos entender direito toda essa algazarra. Para a gente, como sempre, continua existindo uma aplicação seguríssima: a parte debaixo do colchão.
(Com um pouco de atraso, começo a ocupar o espaço que me cabe nesta confraria. Tal qual a Justiça, tardo, mas não falho.)
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
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Um comentário:
marx não estava errado, a gente só não pode esquecer que o nome dele não é nostradamus. mas se a hipótese comunista não for possível, então melhor nem continuar. afinal, de abstrações já chegam os devaneios de sábado a noite.
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