No chão do quarto, uma miríade de recortes, fotografias, pedaços de papel, cartas antigas, correspondências secretas (aquelas que nunca chegam aos seus destinatários). Os olhos refletem amores antigos, receios, tranças da infância, displicências já passadas, uma inconstância adolescente. Nostalgia é a palavra que enche o coração e os olhos de lágrimas. Num papel amassado, encontra as seguintes palavras que a fazem lembrar de tanta coisa perdida, mas lhe trazem à boca o sorriso:
“- Ela me deixou, sem mais explicações, sem mais entendimento, simplesmente me deixou. Nenhum bilhete e nenhum adeus, só sobrou-me uma rosa vermelha. O galho, escuro, corroído e retorcido. Na melancolia da flor, desabrochado, o botão rubro, com seus tons acobreados, e curvas espirais de pétalas dantes firmes e frágeis. A rosa rejeitada, renegada e esquecida dentro de minha alma.
- Sempre fui calada, atos pensados e repensados, natureza reflexiva. Horas a meditar razões e conseqüências. Talvez eu seja apreensiva demais. Preciso saber dos detalhes de tudo o que faço. Estou numa fase incerta, não sei onde essas curvas sinuosas vão chegar. Tudo o que serei em um futuro próximo está envolto por uma densa bruma, uma dubiedade paira em minha alma. E eu que sou assim, acabei destinada a fazer escolhas sem questionar o porquê.
- Ela é magnífica. Coração lindo, beleza esplendorosa. Cuidou de mim como ninguém o havia feito. Dedicou a mim muitos de seus momentos, superou e agüentou meus pesares. Estava sempre pronta para compreender minhas inseguranças e me confortar. E eu, que sou inquieto, não consegui entender esta dedicação. Minha alma arruinou toda a paixão, todo o amor que ela tinha por mim. Levou-a embora de minha vida, e me deixou somente com a rosa na mão. Imagino que Ela não me queira ver nunca mais. Sua alma carinhosa assustou-se.
- A paixão tende sempre a ser arrebatadora. O que eu sentia por ele era amor. Em minha vida, não cabe este sentimento. Tenho tendência ao afastamento, meu coração é melhor vazio, pois me perturbo com o amor, com a idéia de proteção. Meu corpo só se adequa a paixões arrebatadoras. Elas vêm e vão como as ondas batem na praia. Uma força enorme alcança as areias e se escuta um grande estrondo, a água escura e densa, então, chega na areia, dissipa-se, descolore. A espuma antes branca, límpida e fresca, desaparece.
- Nós dois tínhamos em comum a indignação com o mundo. Dávamo-nos bem sozinhos. Nossa vida virava uma só e esquecia do resto do mundo. Conversávamos durante horas sobre a vida. Essa vida que nos fazia tão felizes e tão tristes. As indagações sobre nossos grandes mistérios. Quem nos visse, não entenderia nossa felicidade. Porém, se nos olhássemos no espelho, poderíamos ver dentro dos olhos um do outro, a realização de ambas as almas.
- Às vezes, não entendo meus próprios pensamentos. Vivo em várias freqüências diferentes. Minha personalidade oscila como as marés. Posso viver ser como o ser mais amável do mundo, e meu brilho irá encostar por onde eu passar, e as pessoas poderão pensar em como sou maravilhosa e bondosa. Mas há dias em que meu coração encontra-se em estado de letargia. Não consigo transmitir qualquer forma de sentimento. Também, em alguns períodos, entristeço e acredito ser o pior dos seres. Sinto uma tristeza infinita, minha alma em pedaços. Sinto vontade de cometer loucuras totalmente contra meus princípios. De repente sinto desejo de ir embora e não mais ver quem vejo todos os dias, quem me ama, para não mais me deparar comigo mesma. Foi o que fiz com ele.
- Esses meus sentimentos, imagino serem normais em todas as pessoas abandonadas. Mas uma confusão se coloca em minha mente quando enxergo o quanto todos são bravos, fortes, inabaláveis. É praticamente impossível que as pessoas sejam assim quando se encontram sozinhas somente com seus corações. E é isso que me atormenta. Será que no mundo, existem pessoas que mesmo nos momentos mais infelizes não chorem, quando sozinhas em seus quartos. No silêncio da madrugada não há ninguém com quem elas possam dividir seus segredos mais profundos.Será então que Ela jamais chore por mim? Não há mais como descobrir... E eu me sinto tão mal, eu e a rosa, flor do amor despedaçado.”
Uma ficção inspirada em As Ondas de Virgínia Woolf
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