sábado, 29 de novembro de 2008

Do outro lado da rua

Era meia noite e já não agüentava de dor na virilha. Resultado de seu esforço para garantir uma renda maior para o fim do ano. Tudo bem, desde que conseguisse seu objetivo de viajar no Natal. Nessas festas sempre cai o movimento, talvez porque as pessoas fiquem mais religiosas, e doem alimentos, desejem paz, parem de transar com prostitutas, tudo para celebrar o momento natalino de solidariedade. Visconde com Travessa da Lapa era seu ponto tradicional. Já tinha se acostumado com os ônibus que passavam carregando olhares arregalados em direção à criatura ali presente.

Dia desses, do outro lado da rua, parou um carro que talvez valesse mais do que tudo que ela já teve na vida. Do Aston Martin escuro desceu uma mulher linda. Alta, cabelos compridos, seios nem pequenos nem exageradamente grandes, barriga seca, pele lisa, e cheia de acessórios como brincos prateados, botas e roupas de marca. De lados opostos da rua, duas realidades de uma mesma moeda. Seu olhar ficou marejado. O charme com que a mulher andava, o glamour, a classe, tudo aquilo era o que o lado de cá da rua nunca ia oferecer. Batalhou tanto na vida, superou tantos obstáculos para quê? Para secar numa esquina do Centro. Logo o pranto se transformou num incontrolável choro. Aquela mulher linda, bem sucedida, poderosa, representava tudo o que ela nunca seria.

Não agüentava mais olhar. Saiu de sua esquina e começou a correr. Tentava se equilibrar do alto do salto, gritando alto. Por mais que quisesse, não seria uma mulher diferente. Sua vida era isso e pronto. Esse pensamento aumentava seu desespero, e ela gritava externando sua mais profunda dor. Como um último recurso, pediu a Deus que mudasse sua vida. Foi quando um baque ensurdecedor fez com que caísse ao chão diante do susto. Parecia um acidente de carro, mas maior que isso. Olhou para trás e viu seu local de trabalho a calçada da loja na esquina da Visconde com a Travessa, destruído por um ônibus. Ela já não chorava mais. Olhou surpresa para aquilo, com o rosto ainda úmido pelas lágrimas e o vento gelado batendo levemente em seus cabelos. Era Deus fazendo que sua vida mudasse.

Ela hoje trabalha numa boate do outro lado da rua, com férias e décimo terceiro. Tem clientes com carros caríssimos, ganha muito dinheiro, com o qual já colocou silicone, comprou roupas de marca, e agora viaja todo fim de ano, época em que o movimento não é lá grande coisa.


Nenhum comentário: