sábado, 29 de novembro de 2008

Momento


William Faulkner
Atirou as luvas ao focinho do cavalo,
e havia sinais de que o mundo, daquela pele para dentro,
iria terminar: como um suicídio ou um eremita.
Tenho um coração e um único Deus, disse ela.
Mas tens ainda um único Deus e sete orações.
E tens ainda uma arma no teu quarto.
E o que utilizas mais rápido: a arma ou as orações?
Não é pergunta que se faça uma mulher, respondeu ela”

Gonçalo Tavares, em A Biblioteca


Caminha, sem olhar para trás. O anel que tu me destes era vidro e se quebrou. A mão encosta na testa, enxuga o suor de horas sem olhar para trás. O que terá feito esta mulher? Quantas rosas terão desabrochado antes que ela olhe para trás? Sem hesitações, sem titubear. O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou. A mulher traja um vestido azul da cor do céu e seus longos cabelos pesados estão presos em um penteado antigo; alguns fios passeiam com o vento. Seu rosto é antigo, marcado pelos anos, é inexpressivo. Do bolso, a mulher retira um terço; ela ajoelha-se – o chão é terra batida – e, vagarosamente, entoa um canto antigo, quase primitivo. Dos olhos amarelados, uma lágrima escorre pela face negra. Ela olha para o céu, e, vagarosamente, levanta-se. Caminha mais alguma distância sem olhar para trás: encontra um canteiro de rosas rubras. Ali, ajoelha-se mais uma vez, à espera de um porquê. Um por que olha para trás.

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