quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Jingle Bell

Não gosto de finais de ano – do pacote completo: Natal, Ano Novo, etc. Final de ano, inevitável, você sempre pára pra fazer o balanço e constata, também inevitavelmente, que tudo terminou no mesmo vinagre. Bate aquela depressão, aquela lassidão, aquela fraqueza de vontade. Daí dizemos num rompante que ano que vem, sim senhor, reescreveremos tudo. Reescrever é um vício de fim de ano. Conheço quem, inclusive, promete reescrever-se fabulosamente; emagrecer, dar mais atenção à família, à carreira, parar de fumar, de beber, tudo por ocasião de finais de ano. Eu não. Se tem uma coisa que eu preciso em finais de ano são cervejas, e em quantidades exageradamente boas. Por favor, pelo amor de deus, tenham a santa paciência, um homem que descobre que depois de doze meses tudo terminou no mesmo vinagre tem o inalienável direito de tomar um porre. Um porre para curar a ressaca do ano.

Até fico mais animadinho com isso, mas, terminantemente, não gosto de finais de ano. Justiça seja feita, detesto particularmente o Natal. Natal é chato. Chatíssimo. Nunca gostei, desde quando me conheço por gente – ou meio gente, meio mula, tal qual sou. Nem quando criança, na época em que ganhava bolas de futebol – que eu gostava – e carrinhos – que eu odiava e costumava deixar jogados numa grande caixa cheia de quinquilharias. Hoje, é claro, não ganho mais nem bolas de futebol, nem os terríveis carrinhos. Ganho meias. Talvez cuecas. Qual é a graça de ganhar meias? Nenhuma. Porém ganharei, é tradição. Meus pés estarão quentinhos, ao menos, mesmo que seja debaixo do sol de dezembro.

E por falar em pés quentinhos e, por extensão de sentido, corpos aquecidos, já começo a sentir o calor do “espírito natalino”, quase uma menopausa. Você, leitor desatento (faça-me o obséquio de prestar atenção, estou falando com você), vai dizer que sou rabugento, mas também não gosto de espíritos; eles me põem medo. Qual a diferença entre espíritos e fantasmas? Hm. Podemos então chamar de “fantasma natalino”? Podemos, acho. Vá lá. No fim das contas, tudo bem pesadinho, dá na mesma. Pois bem, ronda-me a casa agora o tal fantasma natalino. Vem anunciado naqueles panfletinhos que nos convidam para a novena de Natal do bairro. Está lá: “O espírito (fantasma, corrijo eu o panfleto) do Natal quer tocar seu coração”, ou algo tão criativo quanto. É o Menino Jesus que chega para aliviar a consciência dos ricos que, filantrópicos um mês por ano, estão novamente prontos a começar a nos sacanear em janeiro, depois daquele belo porre de champanhe na virada. Fantasminha camarada, esse do Natal.

Outra coisa que tenho contra o Natal: existe algo mais espalhafatoso que Papai Noel? Todo vestido de vermelho vivo (destaque para o gorro com pompom na ponta) e com aquela barba pouco higiênica. Bom velhinho, não. Para mim, com uma barba daquelas a ocultar-lhe toda a face, deve ser algum perigoso fugitivo da polícia tentando passar despercebido, entrando pela chaminé, melífluo, como um meliante, um fora-da-lei. Acusado, com razão, de exploração de menores, ao forçar os pobres diabos dos duendes a trabalhar o ano inteiro a fim de aprontar aquele monte de presentes – bolas de futebol, carrinhos e meias, que sobre outros apetrechos não posso falar com propriedade. E nós aqui, a empurrar as pobres criancinhas contra aquela barba áspera e incômoda. Sem a devida vigilância, qualquer dia ele ainda acaba por aliciar o filho de alguém.

Mal-amado! Azedo! Amargo! Ou qualquer outra coisa de gosto absurdamente ruim, acusa-me o leitor ainda desatento (mas será o Benedito?!) sem, no entanto, reparar na ceia. É pior. Muito pior. Note-se: arroz com passas e frango - pra mim é frango, sim senhor - com aquelas esquisitices de molhos doces. Por favor, tenhamos a bondade, sim? Sou um sujeito simples. Só gosto de comida de pedreiro e fujo como diabo da cruz desses leviatãs gastronômicos.

(Aliás, falando nisso, numa dessas fugas natalinas, inclusive, já estatelei-me sobre a árvore de Natal, essa parafernália que costumam montar em dezembro para atrapalhar o trânsito em minúsculos apartamentos já de difícil fluxo. Coisa ridícula, geralmente elas contam com algodão para “simbolizar” a neve. Em outra ocasião, mais desastrada, ganhei uns pontos com Herodes, quando esbarrei no presépio e decapitei o Menino Jesus, sob o olhar acusador do Papa, que rezava me olhando de soslaio a Missa do Galo. Ah, bem lembrado: existe coisa mais insuportável do que a Missa do Galo?)

Para terminar, desculpo-me por esta croniqueta calhar aqui tão adiantadamente. Nem estamos ainda em dezembro, eu sei. Mas desabafo aqui e agora porque o shopping perto de minha casa já fez o obséquio de lembrar-me, com sua fachada lotada de luzinhas intermitentes, que em breve a cidade inteira estará parecendo uma penteadeira de puta, emperequitada como uma meretriz de meia idade. Suspiro. Paciência. Como um asceta, suportarei mais este Natal. Com o tempo, quem sabe, me acostume. Ano que vem, afinal de contas, tem outro.

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