quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eu vejo tudo enquadrado

Remoto controle. Bem remoto. Por mais que eu tente observar as coisas com um certo distanciamento, não me envolver demais, percebo que aí está o grande desafio (principalmente considerando a profissão que escolhi): a verdade é que eu amo demais as pessoas. Não o amor caridoso que é aquilo de amar para gostar mais de si próprio; não, é ao contrário, é amar sem querer amar. É odiar amar, mas continuar amando.

Amo a todos, muito e apaixonadamente. Amo as pessoas que andam de ônibus e enconstam a cabeça no vidro para descansar; amo as crianças que comem algodão doce usando as máscaras de Bob Esponja que vêm na embalagem; amo os velhinhos que cheiram a armário e ficam sentados em uma pracinha o dia inteiro, a observar o movimento; amo tudo aquilo que me dá medo, que é essa vida normal e cotidiana que todos nós vivemos. É, realmente, uma relação de amor e ódio. Como apreciar essas coisas tão medíocres? Não sei.

Não sei explicar. Só sei que amo. Os bêbados e sua constante vergonha; os pobres e sua revolta; os frentistas dos postos que trabalham de madrugada; os atendentes de telemarketing; todos os malditos que a Iasa conta. Tanto amo que sinto vontade de beijar cada um deles, a sua dor pungente, de lhes dar a mão e mais o braço, e beijar-lhes também os pés, que são abençoados.

O que pode ser um problema ao Jornalismo, para mim me parece uma solução. Sendo jornalista, falo com as pessoas. Elas ainda têm a esperança de se valer da imprensa quando nada mais funciona - governo, polícia, o escambau. Dá para perceber a importância do jornalismo social em pequenos gestos. Ontem, na TV, uma senhora ligou porque assistiu a uma reportagem sobre pessoas que começam a trabalhar depois dos 60 anos. Me perguntou o que fazer para conseguir um emprego. Eu lhe passei o contato da agência do trabalhador. Sua voz se iluminou. 'Será mesmo que eu conseguiria uma vaga?'. 'Com certeza!', eu lhe disse, com toda a alegria que pude passar, apesar de sentir pena.

'Vai ser a melhor coisa, vou sair de casa, ver gente. Sei que tenho o dom para ser vendedora', ela disse. A senhora perdeu seu marido, sua mãe e um neto de onze anos em pouco mais de um mês. Entrou em depressão e pouco saía de casa. Mora sozinha. Quando assistiu ao jornal, decidiu que tinha que mudar. Entusiasmada com o seu entusiasmo, passei pra ela também o telefone do Sesc, disse que lá tem bons cursos para passar o tempo. Ela ia anotando tudo. Por fim, perguntou meu nome e pediu que Deus me abençoasse. Eu desejei em dobro. Foi aí que se perdeu o elo do atendimento burocrático que nos foi imposto.

As pessoas sofrem e nada mais cruel que ouví-las prontas a responder com algo pronto. Não. É preciso fazer o máximo para entendê-las. Daí, qualquer história pode virar a matéria mais fantástica. Isso é realismo fantástico dos bons. E não é que o mais maravilhoso da vida é essa dualidade entre o amor e o mais profundo enfado?

[escrito em total fluxo de consciência]

Um comentário:

Flávia S. disse...

É esse teu amar tudo que te torna tão especial, amanda, pode acreditar. essa sua paixão pelas coisas. já te disse isso mil vezes :)