Remoto controle. Bem remoto. Por mais que eu tente observar as coisas com um certo distanciamento, não me envolver demais, percebo que aí está o grande desafio (principalmente considerando a profissão que escolhi): a verdade é que eu amo demais as pessoas. Não o amor caridoso que é aquilo de amar para gostar mais de si próprio; não, é ao contrário, é amar sem querer amar. É odiar amar, mas continuar amando.
Amo a todos, muito e apaixonadamente. Amo as pessoas que andam de ônibus e enconstam a cabeça no vidro para descansar; amo as crianças que comem algodão doce usando as máscaras de Bob Esponja que vêm na embalagem; amo os velhinhos que cheiram a armário e ficam sentados em uma pracinha o dia inteiro, a observar o movimento; amo tudo aquilo que me dá medo, que é essa vida normal e cotidiana que todos nós vivemos. É, realmente, uma relação de amor e ódio. Como apreciar essas coisas tão medíocres? Não sei.
Não sei explicar. Só sei que amo. Os bêbados e sua constante vergonha; os pobres e sua revolta; os frentistas dos postos que trabalham de madrugada; os atendentes de telemarketing; todos os malditos que a Iasa conta. Tanto amo que sinto vontade de beijar cada um deles, a sua dor pungente, de lhes dar a mão e mais o braço, e beijar-lhes também os pés, que são abençoados.
O que pode ser um problema ao Jornalismo, para mim me parece uma solução. Sendo jornalista, falo com as pessoas. Elas ainda têm a esperança de se valer da imprensa quando nada mais funciona - governo, polícia, o escambau. Dá para perceber a importância do jornalismo social em pequenos gestos. Ontem, na TV, uma senhora ligou porque assistiu a uma reportagem sobre pessoas que começam a trabalhar depois dos 60 anos. Me perguntou o que fazer para conseguir um emprego. Eu lhe passei o contato da agência do trabalhador. Sua voz se iluminou. 'Será mesmo que eu conseguiria uma vaga?'. 'Com certeza!', eu lhe disse, com toda a alegria que pude passar, apesar de sentir pena.
'Vai ser a melhor coisa, vou sair de casa, ver gente. Sei que tenho o dom para ser vendedora', ela disse. A senhora perdeu seu marido, sua mãe e um neto de onze anos em pouco mais de um mês. Entrou em depressão e pouco saía de casa. Mora sozinha. Quando assistiu ao jornal, decidiu que tinha que mudar. Entusiasmada com o seu entusiasmo, passei pra ela também o telefone do Sesc, disse que lá tem bons cursos para passar o tempo. Ela ia anotando tudo. Por fim, perguntou meu nome e pediu que Deus me abençoasse. Eu desejei em dobro. Foi aí que se perdeu o elo do atendimento burocrático que nos foi imposto.
As pessoas sofrem e nada mais cruel que ouví-las prontas a responder com algo pronto. Não. É preciso fazer o máximo para entendê-las. Daí, qualquer história pode virar a matéria mais fantástica. Isso é realismo fantástico dos bons. E não é que o mais maravilhoso da vida é essa dualidade entre o amor e o mais profundo enfado?
[escrito em total fluxo de consciência]
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
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Um comentário:
É esse teu amar tudo que te torna tão especial, amanda, pode acreditar. essa sua paixão pelas coisas. já te disse isso mil vezes :)
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